Comecemos pelo princípio. As gorduras foram a principal fonte de energia para os seres humanos durante quase 2,5 milhões de anos e foi a dieta rica em gordura que permitiu a complexificação do cérebro do Homo sapiens - há 10 mil anos, com o advento da agricultura, passaram a ser os hidratos de carbono a principal fonte de energia. As gorduras fornecem mais do dobro da energia que os hidratos de carbono e as proteínas (9 kcal/g versus 4 kcal/g).
No nosso corpo, a gordura está presente em duas formas: ácidos gordos, que estão na corrente sanguínea, disponíveis para serem usados como energia, e triglicéridos, que são a forma de armazenamento nas células adiposas; os triglicéridos também podem usados como energia, mas têm que ser decompostos em ácidos gordos para tal.
A insulina é a principal hormona que controla o que acontece com as gorduras que ingerimos, ou seja, se ficam em circulação sob a forma de ácidos gordos, prontos a serem utilizados como energia, ou se ficam presos nas células adiposas sob a forma de triglicéridos. Uma dieta que produz muita insulina, ou seja, uma dieta rica em hidratos de carbono, faz com que tanto as gorduras ingeridas como os hidratos de carbono ingeridos em excesso sejam convertidos em triglicéridos e armazenados. Numa dieta baixa em hidratos de carbono onde, consequentemente, a produção de insulina é reduzida, não vai haver tanto armazenamento de gordura, simplesmente porque não há insulina para tal... O que nos faz engordar, portanto, são os hidratos de carbono, não as gorduras.
Mas sabemos bem que as gorduras não são todas iguais!!
Basicamente podemos dividir as gorduras que ingerimos em dois grandes tipos: as saturadas, que são sólidas à temperatura ambiente, e as insaturadas, que são líquidas à temperatura ambiente.
As
gorduras saturadas são uma excelente fonte de energia e não têm efeitos adversos para a saúde; pelo contrário, elas contribuem para funções metabólicas críticas, aumentando a absorção de nutrientes, melhorando o sistema imunitário, protegendo contra o stress oxidativo, etc. São ótimas para cozinhar, porque são muito resistentes à temperatura. Fontes importantes de gorduras saturadas são os produtos animais e o óleo de coco.
A verdade é que, infelizmente, as gorduras saturadas ainda assustam muita gente. É normal! Crescemos a ouvir dizer que não se pode comer mais que um ovo por dia, e que a margarina (uma mistura de óleos vegetais, produzida artificialmente) é muito melhor para o coração que a manteiga (feita da nata do leite)... Aliás, as recomendações de muitas instituições de saúde ainda são essas - gorduras saturadas fazem mal, a margarina e os óleos vegetais devem substituir a manteiga e outras gorduras de origem animal... Felizmente que cada vez aparece mais investigação científica que mostra o contrário - não são as gorduras saturadas que fazem aumentar os níveis de colesterol nem o risco de doenças cardiovasculares...
Este post do Mark aborda em pormenor esta questão da gordura saturada.
Posso contar a minha experiência pessoal com as gorduras. Há uns anos, a comer no máximo 1 ovo por dia (e não comia todos os dias!), becel, óleos vegetais e afins, houve uma altura em que tive o colesterol acima dos 200, o que me assustou, pois achava que o que comia não justificava tal valor... Hoje, a comer bastante gordura saturada, pelo menos 2 ovos por dia, e nada de óleos vegetais, trans, hidrogenados, etc. (só aqueles que vêm escondidos no chocolate...), tenho o colesterol (e os triglicérios e todos os outros indicadores) dentro dos valores normais.
Continuado, temos também
gorduras monoinsaturadas, presentes no azeite, no abacate, nos frutos secos, que também são vistas como saudáveis, embora sejam menos estáveis com a temperatura, não devendo, por isso, ser usadas para cozinhar a altas temperaturas. Eu já comecei a substituir o azeite por banha de porco em muitos cozinhados...
As
gorduras polinsaturadas, ou PUFAs
(poliunsaturated fatty acids) são geralmente líquidas e são muito susceptíveis a danos devido à exposição a altas temperaturas, luz e oxigénio. Dividem-se em duas categorias: omega-6 e omega-3. Os omega-6 são geralmente vistos como maus, promotores de inflamação, e os omega-3 como bons, com efeitos anti-inflamatórios, mas não é bem assim... Os dois são necessários e o que importa mais é o rácio entre eles, ou seja, o rácio omega-6:omega-3.
Alimentos ricos em
omega-3 são peixes como o salmão, a sardinha, cavala, arenque, anchova, e carnes e ovos de animais "livres", que não são alimentados a cereias. Produtos ricos em
omega-6 são os óleos vegetais que usamos na cozinha, como o óleo de girassol ou de soja, e também os frutos secos, se bem que o rácio O6-O3 é muito variável dentro dos frutos secos. Enquanto o rácio O6:O3 dos nossos antepassados caçadores-recoletores era 1:1 ou 2:1, o rácio numa dieta americana típica é 20:1!! O problema destas gorduras é o consumo excessivo dos produtos que têm mais omega-6, pois estão em todo o lado - na comida processada, embalada, congelada, nos chocolates, bolos, pastelaria... é difícil fugir-lhes! Estima-se que na dieta americana, 70% dos PUFAs consumidos são omegas-6, que têm um valor nutritivo baixo e causam stress oxidativo... e, claro, o consumo de omega-3 não é suficiente, daí que se vejam tantos suplementos de omega-3 à venda...
Por fim, temos as
gorduras hidrogenadas, parcialmente hidrogenadas, trans... são palavrões para gorduras que são produzidas artificialmente. Basicamente, a gordura insaturada (ex, um óleo vegetal) é aquecido a alta temperatura e alta pressão e misturado com solventes metálicos tóxicos para saturar as ligações de carbono com hidrogénio e assim tornar a gordura sólida à temperatura ambiente. As parcialmente hidrogenadas ficam sólidas mas derretem ao cozinhar. Estas gorduras alteradas oxidam facilmente, formando radicais livres, e estão presentes, tal como as PUFAs, em quase todo o lado... excepto nos produtos naturais e não processados, claro!
Este post já vai longo, mas aqui ficam as principais diferenças entre os vários tipos de gordura! Vamos lá deixar de ter medo das gorduras saturadas! Como em tudo, não há nada como experimentar...