Há alguns anos para cá comecei a seguir alguns blogs sobre minimalismo, principalmente depois da crise do subprime nos EUA. Nada como uma cultura extremamente consumista como a americana para nos mostrar o que é o consumismo absurdo e extremo (alugar armazéns para guardar coisas que nunca se usam?!). Com o subprime, muitas pessoas perderam o seu poder de comprar, já para não falar das suas casas (e respectivos armazéns alugados). Começaram a surgir imensos blogs sobre finanças pessoais, expressões como decluttering, e a admiração por filosofias como a frugalidade e a vida simples.
Fiquei fascinada pela alteração tão profunda de mentalidades, pelas boas intenções que todas estas pessoas tinham, deixar o lado mais material da vida e dedicarem o seu tempo, espaço e dinheiro ao que realmente importava.
Se assistir a todas essas experiências me influenciou? Sim. Se me fez moderar os hábitos de consumo e mudar de atitude? Claro que não.
Existe sempre mais uma peça de roupa, mais um par de sapatos, mais uns pratos de cozinha azuis giríssimos a juntar aos 30 que já tenho (eu vivo sozinha), mais um livro para as estantes. Um absurdo. E por mais vendas de Ebay que eu fizesse àquele guarda-fatos, por mais coisas de cozinha que "oferecesse" à minha mãe, a minha casa de 30 (?!) metros quadrados estava sempre cheia, cheia de coisas.
Até que a vida se encarregou de me dar uma lição.
Vim parar à Àfrica. E ao final de 8 meses posso já notar umas diferenças...
Neste momento vivo numa casa de 200 m2 (acho) que está, digamos... arejada. Tenho 2 divisões vazias. Saber que temos de voltar para Portugal e que apenas podemos levar uma mala de 30 quilos limita-nos um pouco as coisas em que queremos gastar dinheiro porque, depois, não as podemos trazer no regresso.
Um sofá. Uma televisão. Uma secretária com a sua cadeira. Não há candeeiros, quadros, cortinados. Na cozinha, para mal dos meus pecados, ofereceram-me uns copos na mesma semana em que tinha comprado os meus. 6 cadeiras, 6 pratos, 6 copos, 6 conjuntos de talheres - o suficiente para dar uma jantarada simpática. Terrinas de servir? Não, temos os tachos. "Ah e tal... olha estes pratos tão giros...." "Não!".
Esperem: pratos giros viram-se na África do Sul, porque onde estou, em Moçambique, não há lojas. Há uma ou outra loja do chinês, uma ou outra drogaria, mas nada que nos dê propriamente vontade de "ir às compras". E nada melhor do que refrear um instinto consumista do que.... não ter lojas!
Roupa: uso 10% do que trouxe. Saltos altos? Impossível. Os passeios são praticamente inexistentes e há demasiada areia e pedras para se conseguir andar de saltos sem se estragarem. Os pés e os sapatos. E há sempre tanto calor e tanta humidade no ar que apenas as roupas mais leves são toleráveis. Para trabalhar aqui é sempre casual friday. Resultado: já dei imensa roupa que trouxe para cá. E também não há cá Zara e afins, por isso... no shopping.
Livros? Desde que tenho um Kindle que a minha vida mudou. E ainda bem: que se quisesse comprar aqui livros tinha de pagar 30 ou 40 euros por um titulo que na Fnac custa 15. Para além de que a oferta é extremamente limitada... Quero ler alguma coisa, faço download (a Amazon tem imensos títulos gratuitos, por exemplo) e fica dentro do meu Kindle, arrumadinho, sem ocupar espaço. Para quem tem mais de 1000 livros em casa e outros tantos em casa dos pais, é realmente revolucionário.
Comida. Existem imensos legumes e frutas frescas. Mas tudo o que é embalado e não é feito cá é caríssimo - tudo tem de ser importado. Moral da história: menos ingredientes, menos complicações a preparar refeições e, neste caso, mais saudável! Minimalismo culinário é algo de fascinante.
Por isso, passados 8 meses, posso dizer que algumas coisas se alteraram: consigo viver sem os meus 30 pares de sapatos e sem o meu guarda-fatos proibitivamente grande. Sem a minha cozinha cheia de gadgets. Sem Fnac. Passei a gostar da decoração clean e despojada de uma casa sem móveis. Basicamente, passei a gostar de viver com muito menos.
Em dois meses vou regressar a Portugal. Se vou continuar a viver assim, com esta vontade de viver com pouco? Duvido muito: não nego que estou cheia de ganas de mergulhar de cabeça numa Zara. Ou em qualquer centro comercial. Em saltos de 10 centímetros.
Mas não nego que há coisas que se alteraram: a sensação de leveza e de liberdade que se ganha. Porque temos menos coisas às quais temos de olhar, arrumar, dar atenção e dedicar tempo. É inegável. E isso não quero, decididamente, deixar de ter.
Cristina
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