10/10/2014

Coisas que nos dizem e não gostamos - reagir ou esquecer?

No outro dia, no treino de judo dos meus filhos, uma das judocas, adolescente, veio ter comigo e com um dos meus filhos e disse-me que ele tinha-se portado muito mal num torneio que tinha havido uns dias antes, que tinha chamado gordo a outro miúdo (que é o irmão dela) e que ele devia ir ter com a mãe dela e pedir desculpa por ter chamado gordo ao miúdo.

O treino começou entretanto e eu nem tive tempo de reagir. O meu filho disse-me que o outro é que tinha começado a chamar nomes... Fui falar com a mãe do miúdo e da adolescente para saber o que se tinha passado. Ela, brasileira, muito simpática, disse-me que o meu filho tinha chamado gordo ao filho dela, e o problema é que muitos miúdos fazem os mesmo e ele até já deixou de comer por causa disso. Eu disse-lhe que a melhor maneira de resolver as coisas é pôr os dois frente a frente e cada um contar a sua versão da história. Foi o que fizemos no fim do treino. Um disse que o outro é que começou, o outro diz o contrário (com miúdos destas idades é sempre assim...), mas o importante é que pediram desculpa um ao outro e fizeram as pazes. No caminho para casa ainda lhe dei uma lição sobre bullying.

Apesar das coisas terem ficado resolvidas com a mãe e o miúdo, fiquei com a filha adolescente aqui atravessada. Mas quem é ela para ir dizer ao meu filho que ele tem que ir pedir desculpa à mãe dela? Primeiro, há sempre duas versões de cada história - e os miúdos são mentirosos e puxam sempre a brasa à sua sardinha. Acho errado ouvir só uma versão e assumir que essa é a correcta. Segundo, o meu filho teria que pedir desculpa ao outro miúdo, não à sua mãe. Terceiro, quem é esta miúda adolescente para vir dar ordens ou lições de moral ao meu filho à minha frente?

Fiquei irritada, mesmo. Como naquele dia não tive oportunidade, pensei na conversa que iria ter com ela no treino seguinte. Iria dizer-lhe que acho errado ela mandar o meu filho ir pedir desculpas à mãe dela e acho errado ela acreditar cegamente na versão do irmão. Queria dizer-lhe que compreendo que ela é novinha e não sabe bem do que fala, e teve sorte por eu ser uma pessoa paciente, porque outras mães poderiam ter ficado chateadas a sério com o comportamento dela.

Já tinha um discurso todo preparado para dizer à miúda, mas depois parei e pensei. Vale mesmo a pena? Vale a pena chatear-me por causa de uma miúda que tem idade para ser minha filha?

Por um lado, achei que sim, que valia a pena falar com ela e dizer-lhe o que penso do seu comportamento, quanto mais não fosse para ela aprender qualquer coisa. Por outro lado, achei que mais valia esquecer e seguir em frente - afinal, ela não é minha filha, não é minha responsabilidade (o meu levou uma lição de moral e um castigo).

Depois, cheguei à conclusão que o melhor seria pensar nela quando fizesse a minha meditação do amor. A meditação do amor (meditação metta ou loving-kindness, em inglês) é uma prática budista bastante difundida no Ocidente que tem como objectivo irradiar amor para todos os seres vivos do mundo, sem discriminação. 

É uma prática que nos enche de amor e que nos ajuda a cultivar quatro qualidades, conhecidas pelos quatro pensamentos imensuráveis ou Brahma Viharas, que são consideradas as emoções mais superiores que se pode ter: amor, compaixão, alegria e equanimidade

Durante a prática da meditação do amor, deve-se irradiar esse amor para várias pessoas. Em primeiro lugar, para nós próprios, o praticante da meditação. Em segundo lugar, uma pessoa de quem gostamos, como um familiar ou amigo. Depois, uma pessoa neutra, como alguém com quem nos cruzamos todos os dias mas sem muito interacção. Por fim, uma pessoa hostil ou em relação à qual temos sentimentos negativos.

O Buda ensinou esta meditação para desenvolver o amor altruísta e a verdade é que após a prática, sente-se uma onda de amor a invadir-nos... A minha esperança é que essa onda também atinja os outros, sobretudo aqueles em quem nos focamos durante a meditação - e, neste caso específico, a rapariga do judo.

Os críticos ou não-espirituais ou aqueles mais reactivos poderiam argumentar que ao fazer isto, ao não dizer à rapariga aquilo que penso, é pior para mim, ou que estou a esconder-me em vez de enfrentar a situação. Às vezes também penso assim. 

Mas o que devo pensar é: o que é que me faz mais feliz? Um confronto, sabendo que vou ficar nervosa e que até posso nem exprimir-me bem e transmitir tudo o que quero? Ou o desapego da situação? Demorei um ou dois dias a perceber, ou até a aceitar, mas sim, desapegar-me, deixar ir, e tentar irradiar amor - é isso que me faz mais feliz.

Para saberes mais sobre a prática do amor universal.



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18 comentários:

  1. Olá Rita,
    Que bem que me soube ler este post logo pela manhã, que positivo!
    E também é verdade que a maior parte das vezes só se tem a ganhar quando não se reage impulsivamente.

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  2. é uma questão muito interessante e para a qual, também, ainda não tenho uma formula :). acho q o melhor é ponderar cada caso.

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  3. Penso que às vezes mais vale esquecer. Ires falar com a rapariga não resolvia nada, porque vai-lhe entrar por um ouvido e sair por outro.

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  4. Foi a melhor opção! A rapariga no fundo foi uma um veículo sem a qual nc saberia o q se tinha passado e assim n iria passar os valores ao seu filho! Tudo tem uma razão! Foi a melhor opção!

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  5. olá Rita, Obrigada por partilhar eu gostei e fiquei a pensar que fez bem, eu como sou cristã pensei se todos os que se dizem cristãos, parassem e pensassem se valeria a pena o confronto? talvez voltassem para casa e fizessem uma oração de amor por essa pessoa, foi isto que Jesus Cristo quis dizer quando disse amai-vos uns aos outros.

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    1. Buda, Jesus e outros ensinaram as mesmas coisas. As pessoas que vieram depois é que interpretaram algumas de forma muito diferente... Mas sim, é isso, amai-vos uns aos outros!

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  6. Tu és cá das minhas… ela terá feito o melhor que sabia. E se calhar no futuro tem tempo para aprender a lição, se calhar estando ela no lado oposto da situação e alguém a dar-lhe lições de moral sobre o filho dela...

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  7. Muito obrigado pela tua partilha e importante reflexão.
    Os teus sentimentos seriam os meus nas mesmas circunstâncias e por isso compreendo-os perfeitamente; a opção pela meditação metta foi muito digna e rica: retiraste a «carga» negativa do assunto e acrescentaste energia amorosa no universo.

    Numa perspectiva alquímica, transformaste o «chumbo» em ouro.
    Sabendo que é dando que se recebe, deves ter ficado mais feliz e em paz; por outro lado, estou plenamente convencido que de algum modo, em algum lugar, todos iremos beneficiar dessa energia.

    A dúvida que às vezes me interpela (em situações conflituantes) é saber se optando por uma atitude e meditação do género que fizeste estou numa fuga ao conflito por não me querer chatear, ou por ficar mal disposto etc. ou se a motivação é mesmo «genuína». Ou seja, a motivação subjacente resulta do comodismo (ou do medo) de enfrentar as coisas, ou de uma «natureza» diferente?

    É que preenchendo motivações diferentes, o resultado, parece-me, não pode ser o mesmo, pelo menos para o meditador.
    O que é que achas?

    Namaste
    Mario R.

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    1. Olá Mário,

      Percebo perfeitamente essa dúvida e também me debati com ela. Eu geralmente não uso essa justificação da fuga só para não me chatear - nesse caso, prefiro mesmo chatear-me e dizer o que tenho a dizer (que foi a minha reacção inicial neste caso). Mas achei que aqui a motivação era mesmo diferente - irradiar amor para o universo seria o melhor para todos, deixou-me mais feliz e não sinto que tenha fugido ao assunto (o assunto também não era assim tão importante quanto isso...). Mas claro, cada caso é diferente... Numa situação mais grave é provável que enfrentasse a pessoa e dissesse o que tinha a dizer!

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  8. Obrigado, é mesmo isso!
    OM Shanti

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  9. Bom dia!

    Tantas borboletas a baterem as asas ...
    e devido à atitude da irmã, a outra criança teve oportunidade de discutir, talvez pela primeira vez, a difícil situação pela qual está a passar. E isso é muito positivo pois dar-lhe-á esperança e ferramentas para actuar, o que diminuirá o medo e ansiedade.
    A probabilidade do episódio terminar razoavelmente bem era próxima de 1, pois a argumentação deu-se sob a mirada atenta de duas mães que não estavam nem desesperadas, nem cheias de preconceitos. A irmã adolescente ... é isso mesmo: adolescente e irmã. Ela sente-se impotente para resolver a equação, para evitar o facto de o irmão ser atormentado dentro e fora da escola. E, consciente ou inconscientemente,ela agiu de tal forma que os resultados foram positivos para todas as partes.
    A mãe sabia o que se passava, mas ainda não tinha reaccionado.
    Porque razão é que a rapariga falou com o seu filho quando ambas as mães estavam presentes?!!
    E, sabe-se lá porquê, porque sugeriu ela que o pedido de desculpas fosse feito à mãe e não ao irmão !!??
    O facto é que do somatório de todas aquelas atitudes, que à primeira vista para algumas pessoas podem parecer não muito adequadas, resultou um passinho mais no sentido de resolver uma questão bastante preocupante. Mais duas famílias tentando fazer parte da solução.

    ... tantas borboletas a baterem as asas!

    Rosália

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  10. Esta situação retrata muito do nosso dia-a-dia. Há dias que também me debato com esse dilema... falar, não falar, dizer umas verdades... mas (e ainda bem) que há um pensamento que costuma prevalecer em mim em situações idênticas: "Há alturas em que vale mais ser feliz do que ter razão" e passo à frente! O que a Rita fez foi isso mesmo... escolheu ser feliz!

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  11. Heloísa Leitão11/10/14, 13:51

    Olá Rita.
    Este seu post fez-me lembrar um vídeo magnífico do Youtube que tive a oportunidade de partilhar no Facebook.
    Se tiver oportunidade pesquise o tìtulo "Apologize" e basicamente é um pequeno filme (5 min) de um pai que ensina ás suas 2 filhas o significado e a importância de se pedir desculpa.
    Eu gostei muito e acho que se mais pessoas vissem poderiam pensar sobre as suas atitudes e no seu comportamento social.
    Heloísa Leitão
    Marco de Canaveses
    loisa@sapo.pt

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  12. Rita gostei de sua atitude.Estou a viver um dilema com uma companheira de trabalho que atormenta a minha vida,até agora consegui me segurar mas sinto que a situação está se tornando insuportável.Não pratico ioga,mas será que existe um jeito de resolver isso sem confronto?Já que nem eu nem ela podemos sair desse trabalho.

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  13. Olá, Rita.
    Foi corajosa a irmã do miúdo!....que conversa terá tido a mãe com os filhos quando soube que mais uma vez chama nomes ao filho? O que fez a miúda agir sem medo da sua presença?
    Há adolescentes que se atrevem a mudar as coisas...
    Porque não procurar perceber junto da miúda as razões? Percebi que a mãe e imigrante, certo?
    O que verdadeiramente a perturbou? Será que não foi disso que se desapegou?!? Porque a miúda ficou com as suas ideias talvez um pouco diferentes se tiver assistido a sua intervenção.

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  14. Olá Rita,
    Se me permite a sinceridade (conheço-a através do seu blog há uns 3 anos e além do mais tenho idade para ser sua mãe !!) acho que sua atitude demonstrou um amadurecimento espiritual muito grande e fruto de todas as mudanças que você tem feito. Acho que perdoar é uma das atitudes mais difíceis que precisamos encarar. Eu mesma tenho imensa dificuldade até com pessoas que amo muito (como meu neto adolescente, por exemplo). Realmente, os adolescentes de hoje em dia estão muito "senhores de si" e enfrentam os adultos, coisa que nem sempre eu aceito ... Enfim, gostei de sua atitude e vou ler mais sobre a meditação que você mencionou (e praticá-la). Acho que estamos todos aprendendo nesta "escola" da Vida .....
    Um grande abraço, Julia

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  15. Olá Rita, achei louvável a sua atitude.
    Expressamos o comportamento que aprendemos,.....sabe-se lá o que esta miúda vive em casa..
    Diferentemente do comportamento que vc tem, ao vibrar amor e paz.
    Namaste,
    Brenna

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  16. Adolescente são super passionais mesmo. Acredito que tudo o que ela conseguiu enxergar na situação foi o irmão sendo ofendido e a responsabilidade dela como irmã mais velha em defendê-lo. Adolescentes são exagerados e - convenhamos, não têm todas as informações necessárias para tomar decisões muito sensatas, afinal, ainda não sofreram muitas consequências de seus atos, tendo muito pouca experiência de vida.
    Você fez certo. Let it go.

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