Auto-retrato ao espelho...
Já recebi alguns emails a perguntar, basicamente, como é que consigo. Como é que faço as coisas, como é que me organizo, como é que consigo escrever, tratar da casa e da família e por aí fora...
Então, em primeiro lugar, eu falho. Sou um ser humano e falho. Nem sempre me levanto às 5 da manhã, nem sempre faço tudo o que planeei fazer, nem sempre tenho a casa limpa e arrumada, nem sempre tenho paciência para os miúdos, nem sempre ando bem disposta e sorridente. Mas sei que isso é normal e não me vou abaixo por causa de um mau dia.
Em segundo lugar, quando decidi conscientemente que queria ser minimalista, todo um novo mundo se abriu para mim. Perceber que não são as coisas nem as aparências que são importantes, mas sim os relacionamentos e aquilo que nos dá prazer, permitiu-me livrar-me não só de tralha física como também de preocupações inúteis que tinha. Os minimalistas são pessoas mesmo felizes!
Em terceiro lugar, acredito que o planeamento é o segredo para tudo. “Failure to plan is planning to fail”. Basicamente é isto: se planear as coisas, tudo corre bem, se não as planear, muito fica por fazer.
Em quarto lugar, acredito que para viver a vida que quero, tenho que ter disciplina e uma série de hábitos e rotinas bem definidas. É fácil ter disciplina? Claro que não! Mas torna-se mais fácil se visualizar duas situações: uma em que sou disciplinada e consigo fazer tudo o que quero e o dia corre-me quase na perfeição; outra em que sou preguiçosa e procrastinadora e chego ao fim do dia, não fiz quase nada e estou demasiado cansada para fazer seja o que for. A vida é feita de opções e esta escolha entre a disciplina e a preguiça nós é que controlamos. Portanto, é só escolher. E mantermo-nos fiel a essa escolha, como se a nossa vida dependesse disso... porque é tão mais fácil desligar o despertador e dormirmos mais um pouco... mas se estivesse em causa a nossa sobrevivência, saltávamos logo da cama, certo?
Mas falando de coisas mais práticas, eu tenho uma série de hábitos, formados ao longo dos anos (um hábito não se forma de um dia para o outro), que resultam comigo. Por exemplo, preparo a roupa e mochilas na véspera para perder menos tempo de manhã; levo comida para o trabalho (fruta, frutos secos, bolachas, água, etc.) para não gastar dinheiro; não começo a semana de trabalho com roupa por lavar ou por passar a ferro (geralmente passo a roupa que foi lavada ao longo da semana ao sábado de manhã); lavo a louça e arrumo a cozinha logo a seguir ao jantar (nem saio da cozinha antes disto tudo feito); quase não vejo televisão (mas vejo o How I met your mother todos os dias); limpo o caixote dos gatos de manhã e à noite; queimo incenso para a casa cheirar bem; faço sempre a cama de manhã antes de sair de casa (há uns anos nunca fazia a cama); passo 15 minutos (ou mais) todos os dias a arrumar o que estiver desarrumado; leio na cama antes de dormir; tento não perder muito tempo na internet a passar de site em site ou de blog em blog; estabeleço prazos para mim própria para completar projectos, etc... e tenho muitas destas coisas por escrito, afixadas na parede, para não me esquecer de fazê-las. Resulta! Devo dizer que o facto de ter um trabalho sem horários dá-me imensa margem de manobra para planear as coisas à minha maneira. Além disso, o trabalho fica a 5 minutos de casa (de carro).
Cá em casa somos uma equipa. Eu não trato do marido (era o que faltava!). Trabalhamos os dois fora de casa, e em casa fazemos as coisas em conjunto e dividimos tarefas. Os dois tratamos dos nossos filhos e dos animais. Tenho empregada uma vez por semana para as limpezas maiores, mas com crianças e gatos, a casa tem que ser limpa com mais frequência, o que faço de bom grado, pois além de gostar de fazer limpezas, é um bom exercício físico (eu não gosto é de cozinhar...)! E devo dizer que os meus filhos já não dão assim tanto trabalho quanto isso. É uma das vantagens de serem dois rapazes quase da mesma idade (têm 10 meses e meio de diferença). Muitas vezes eu quero brincar com eles e eles não querem - estão demasiado envolvidos um com o outro e com as suas coisas (ou com a televisão que têm no quarto, que há-de desaparecer de lá um dia destes...).
Como já disse, uma coisa que o minimalismo me fez ver com clareza foi a importância de não perdermos tempo com coisas que não são importantes e fazermos apenas aquilo de que gostamos. Eu, há uns anos, metia-me em tudo, desde desporto, política, demasiados projectos no trabalho. Não sabia dizer não. E depois a vida familiar e o meu próprio tempo pessoal sofriam. Agora já não. Agora digo não. Agora sei identificar o essencial e eliminar o resto.
Por exemplo, acho que sabem que eu jogo ténis. Nunca competi, a não ser em torneios sociais, e andava a pensar começar a treinar mais a sério para começar a ir a competições. Mas depois pensei, para quê? Eu quero jogar ténis e jogar cada vez melhor, mas apenas porque isso me dá prazer. Não quero perder fins de semana em torneios nem fazer treinos intensos todos os dias. Já não tenho idade para me tornar uma das manas Williams nem uma Maria Sharapova... Então, para quê perder tempo com isso? Jogo porque gosto e porque me dá prazer jogar e é dos melhores exercícios físicos que há, mas não quero ter essa obrigação de jogar cada vez mais e melhor.
Outro exemplo. Há quase 10 anos atrás eu fazia musculação mesmo a sério. Cheguei a pesar mais 10 quilos do que peso agora e não estava gorda (era tudo músculo e água...). Treinava todos os dias e pesava toda a comida, como se deve fazer, para controlar bem o que ingeria. Mas para quê? Eu nunca quis ir a competições de culturismo nem de fitness... Para quê perder tanto tempo a pesar a comida e a treinar feita maluca?? Deixei-me disso, claro. Adoro fazer musculação e devia até levar os treinos um bocadinho mais a sério, mas nunca como fazia dantes.
E quem diz o ténis e a musculação, diz outras coisas. Envolvemo-nos sempre em muitas actividades, mas são elas assim tão importantes para nós? O que é que é de facto importante? É nisso que devemos reflectir e depois fazer as nossas escolhas. Foi o que fiz, e foi assim que disse não a muitas coisas na minha vida. E agora tenho mais tempo para o que é realmente importante. Mas, pensam vocês, o que é que é realmente importante para mim? É fácil: é aquilo que me faz realmente feliz. Mas que coisas são essas?
A minha família. Quero educar bem os meus filhos, fazê-los boas pessoas com os valores no sítio, e passar tempo de qualidade com o meu companheiro.
O meu trabalho. Apesar de ser um trabalho precário e mal pago, como é qualquer trabalho científico em Portugal, adoro o que faço.
Contribuir para a sociedade. Isto é uma coisa que o meu trabalho não permite, a curto ou médio prazo (os frutos da ciência não são imediatos). Sempre senti necessidade de contribuir de forma mais imediata para a sociedade, para colmatar essa falha do meu trabalho científico. Quero muito fazer voluntariado, mas ainda não comecei. Este blog é uma maneira de contribuir e é por isso que fico imensamente feliz com os vossos emails e comentários!
Viver uma boa vida, do ponto de vista emocional e físico. Faço desporto, tenho cuidado com a alimentação, leio, ouço música, aprendo coisas novas. Tudo isto me faz feliz.
Para acabar, que este post já está enorme, o Leo Babauta tem uma capacidade de síntese fantástica. Ele escreveu um pequeno guia para a vida que traduzo em baixo. É basicamente assim que quero/tento viver:
menos televisão, mais leitura
menos compras, mais ar livre
menos tralha, mais espaço
menos pressa, mais calma
menos consumo, mais criação
menos lixo, mais comida a sério
menos ocupações, mais impacto
menos condução, mais andar a pé
menos ruído, mais solidão
menos foco no futuro, mais no presente
menos trabalho, mais recreação
menos preocupações, mais sorrisos
respire
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