Há tempos recebi um comentário que me pedia para falar um pouco sobre como é que o minimalismo se relaciona com a religião e a espiritualidade. Nunca falei disso aqui no blog por um motivo muito simples: não sou religiosa. Metade da minha família é católica, metade é ateia, e eu segui a via do ateísmo.
Do budismo, nunca soube muito. Sempre associei os monges budistas a pessoas carecas, que se levantam cedo, passam horas a meditar, são auto-suficientes, vegetarianos, e são das pessoas mais calmas e pacíficas do mundo. E sabia que Dalai Lama é um título, não o nome da pessoa.
Comecei a ler mais sobre o budismo, sobretudo o
budismo zen (um dos muitos ramos do budismo), quando percebi que o autor do "
Smile, breathe, and go slowly", um mantra muito presente no
Zen Habits, é um monge zen,
Thich Nhat Hanh. E comecei a perceber que os princípios do minimalismo são, de facto, princípios do budismo. É como se o minimalismo fosse uma adaptação do budismo à vida moderna.
Em primeiro lugar, o budismo não é apenas uma religião. É uma filosofia, um estilo de vida. O que me agrada no budismo é que não há uma adoração a entidades sobrenaturais; apesar do budismo não negar a existência desses seres, não lhes confere poderes de criação, de julgamento ou de salvação. O budismo baseia-se no ensinamentos de
Siddhartha Gautama, um príncipe hindu que viveu algures entre os séculos VI e IV A.C. O budismo zen é um ramo do budismo que nasceu na China no século VI D.C. e foi fortemente influenciado pelo
taoismo (os conceitos de yin e yang e aquele círculo metade preto e metade branco, sabem?).
Muitos dos ensinamentos do budismo estão bem patentes no minimalismo moderno. Devemos ter o essencial, viver de forma simples, fazer uma coisa de cada vez, desacelerar, fazer menos, mas fazer o que é importante, criar rituais (ou rotinas, ou hábitos).
Não devemos sentir apego às coisas (de acordo com o budismo, esse apego é a fonte da infelicidade, pois nada é permanente).
Devemos viver de forma atenta e consciente. Viver no presente, e não no passado ou no futuro. Sermos felizes com o que temos agora, neste momento, em vez de abdicarmos da felicidade agora para perseguir objectivos que nos poderão trazer felicidade no futuro. Aliás, o viver sem objectivos que vários minimalistas têm abraçado não é nada mais que focar no presente, tal como ensina o budismo.
Indo um pouco mais além, o budismo fala das quatro meditações ilimitadas: o amor, a compaixão, a alegria e a equanimidade. O amor é querer que os outros sejam felizes. A compaixão é querer que os outros não sofram. A alegria é ficar feliz pela felicidade de outrém. E a equanimidade é ter um estado de espírito tranquilo que não seja regido pela agitação ou pela ilusão. O Leo Babauta
refere que cultivar a equanimidade não é fácil (embora melhore com a prática) e é o que lhe permite manter a mente sã.
Mas afinal o que é que isto tem a ver comigo?
Eu planeava ao pormenor o que queria fazer nos próximos 12 meses, fazia resoluções de Ano Novo, até fiz um 5-year plan! A maioria dos objectivos não eram, obviamente, cumpridos, tal como acontece com a maioria de nós. E aqueles que cumprem todos os seus objectivos, geralmente conseguem-no
à custa de outras coisas. Portanto, em vez de ter objectivos definidos e mensuráveis, tenho áreas de foco. Sigo pela vida
com uma bússola, não com um mapa. Sei para onde quero ir, mas em vez de ir por um caminho pré-definido, vou ao sabor do vento e das marés. Em termos práticos, em vez de uma
to do list, tenho uma
could do list.
Comecei a meditar.
A meditação ajuda a combater o stress, a sentirmo-nos mais felizes, mais calmos e mais presentes. Até já pus os meus filhos a meditar com a ajuda
deste video e o J., o mais céptico, segue-se.
Vivo mais no presente.
Deixei de me atormentar por coisas do passado e deixei de preocupar-me demasiado com o futuro. Foco-me mais no momento, no presente. Olho para o que tenho e sinto-me feliz. Tenho andado constantemente com um sorriso nos lábios e até sou mais simpática para as pessoas (nem sempre é fácil, claro...). Em vez de deixar que seja o comportamento dos outros a ditar a minha resposta, sou fiel a mim própria, independentemente dos outros. Ou seja, não é por alguém ser antipático ou mal educado para mim que eu também o vou ser.
Pensamento positivo.
Eu sempre fui uma pessoa optimista, mas agora ainda mais! Acredito que as coisas boas vêm na minha direcção e que há sempre um lado positivo em tudo. Por exemplo, o J. vai ficar 2 meses sem carta de condução (por causa de uma multa de há mais de 8 anos atrás... mas já sabemos que é assim que as coisas funcionam neste país). Em vez nos queixarmos da desgraça que é estar 2 meses sem conduzir (que não é desgraça nenhuma para nós, embora para alguém que dependa mesmo do carro possa ser), vimos o lado maravilhoso da coisa: é agora que ele vai começar a ir de bicicleta para o trabalho!! Já fomos comprar uma bicicleta nova e acho que se não fosse isto de ficar sem carta, ele nunca tomaria a iniciativa de se deslocar de bicicleta. E embora isto implique mais condução para mim, porque terei que levar os miúdos aqui e ali, estou muito contente!
O último livro do Leo Babauta,
The Effortless Life, que li numa noite e vou voltar a ler, aborda estes tópicos e muitos mais. A vida é tão difícil quanto nós a fazemos, diz ele. E é verdade. Nós é que complicamos as coisas, somos negativos e adoramos queixarmo-nos, em vez de sermos gratos e felizes com o que temos. As orientações que o Leo nos dá para uma vida sem esforço são simples (e derivam dos ensinamentos do budismo, claro): não causes mal, não tenhas objectivos ou planos fixos, não cries expectativas, não cries falsas necessidades, não faças coisas de que não gostes, não te apresses e não cries acções desnecessárias. Em vez disso, sê compassivo e apaixonado, encontra contentamento, desacelera, sê paciente, está presente e prefere a subtracção.
E não, não estou a pensar tornar-me budista - mas toda a sua filosofia faz imenso sentido para mim. E é inegável que é do budismo que veio o minimalismo tal como hoje o conhecemos.
(e devo dizer que nunca um post me deu tanto prazer a escrever como este)