20/02/2017

As boas e as más gorduras

Ultimamente tenho feito bolos - de iogurte, de cenoura... de chocolate é que não, porque não quero comê-los (e eu só como de chocolate). A maioria das receitas que encontro inclui óleo vegetal - e eu recuso-me a usar óleo!! Costumo substituir por manteiga, que é uma boa gordura - e ainda me falta fazer o maravilhoso bolo de chocolate com manteiga em vez de óleo, mas de certeza que vai ficar excelente!

Mas afinal, qual é o problema dos óleos vegetais?

Comecemos pelo princípio. As gorduras foram a principal fonte de energia para os seres humanos durante quase 2,5 milhões de anos e foi a dieta rica em gordura que permitiu a complexificação do cérebro do Homo sapiens - há 10 mil anos, com o advento da agricultura, passaram a ser os hidratos de carbono a principal fonte de energia. As gorduras fornecem mais do dobro da energia que os hidratos de carbono e as proteínas (9 kcal/g versus 4 kcal/g).

No nosso corpo, a gordura está presente em duas formas: ácidos gordos, que estão na corrente sanguínea, disponíveis para serem usados como energia, e triglicéridos, que são a forma de armazenamento nas células adiposas; os triglicéridos também podem usados como energia, mas têm que ser decompostos em ácidos gordos para tal.

A insulina é a principal hormona que controla o que acontece com as gorduras que ingerimos, ou seja, se ficam em circulação sob a forma de ácidos gordos, prontos a serem utilizados como energia, ou se ficam presos nas células adiposas sob a forma de triglicéridos. Uma dieta que produz muita insulina, ou seja, uma dieta rica em hidratos de carbono, faz com que tanto as gorduras ingeridas como os hidratos de carbono ingeridos em excesso sejam convertidos em triglicéridos e armazenados. Numa dieta baixa em hidratos de carbono onde, consequentemente, a produção de insulina é reduzida, não vai haver tanto armazenamento de gordura, simplesmente porque não há insulina para tal... O que nos faz engordar, portanto, são os hidratos de carbono, não as gorduras.

Mas sabemos bem que as gorduras não são todas iguais!!

Basicamente podemos dividir as gorduras que ingerimos em dois grandes tipos: as saturadas, que são sólidas à temperatura ambiente, e as insaturadas, que são líquidas à temperatura ambiente.

As gorduras saturadas são uma excelente fonte de energia e não têm efeitos adversos para a saúde; pelo contrário, elas contribuem para funções metabólicas críticas, aumentando a absorção de nutrientes, melhorando o sistema imunitário, protegendo contra o stress oxidativo, etc. São ótimas para cozinhar, porque são muito resistentes à temperatura. Fontes importantes de gorduras saturadas são os produtos animais e o óleo de coco.

A verdade é que, infelizmente, as gorduras saturadas ainda assustam muita gente. É normal! Crescemos a ouvir dizer que não se pode comer mais que um ovo por dia, e que a margarina (uma mistura de óleos vegetais, produzida artificialmente) é muito melhor para o coração que a manteiga (feita da nata do leite)... Aliás, as recomendações de muitas instituições de saúde ainda são essas - gorduras saturadas fazem mal, a margarina e os óleos vegetais devem substituir a manteiga e outras gorduras de origem animal... Felizmente que cada vez aparece mais investigação científica que mostra o contrário - não são as gorduras saturadas que fazem aumentar os níveis de colesterol nem o risco de doenças cardiovasculares... Este post do Mark aborda em pormenor esta questão da gordura saturada.

Posso contar a minha experiência pessoal com as gorduras. Há uns anos, a comer no máximo 1 ovo  por dia (e não comia todos os dias!), becel, óleos vegetais e afins, houve uma altura em que tive o colesterol acima dos 200, o que me assustou, pois achava que o que comia não justificava tal valor... Hoje, a comer bastante gordura saturada, pelo menos 2 ovos por dia, e nada de óleos vegetais, trans, hidrogenados, etc. (só aqueles que vêm escondidos no chocolate...), tenho o colesterol (e os triglicérios e todos os outros indicadores) dentro dos valores normais.

Continuado, temos também gorduras monoinsaturadas, presentes no azeite, no abacate, nos frutos secos, que também são vistas como saudáveis, embora sejam menos estáveis com a temperatura, não devendo, por isso, ser usadas para cozinhar a altas temperaturas. Eu já comecei a substituir o azeite por banha de porco em muitos cozinhados...

As gorduras polinsaturadas, ou PUFAs (poliunsaturated fatty acids) são geralmente líquidas e são muito susceptíveis a danos devido à exposição a altas temperaturas, luz e oxigénio. Dividem-se em duas categorias: omega-6 e omega-3. Os omega-6 são geralmente vistos como maus, promotores de inflamação, e os omega-3 como bons, com efeitos anti-inflamatórios, mas não é bem assim... Os dois são necessários e o que importa mais é o rácio entre eles, ou seja, o rácio omega-6:omega-3.

Alimentos ricos em omega-3 são peixes como o salmão, a sardinha, cavala, arenque, anchova, e carnes e ovos de animais "livres", que não são alimentados a cereias. Produtos ricos em omega-6 são os óleos vegetais que usamos na cozinha, como o óleo de girassol ou de soja, e também os frutos secos, se bem que o rácio O6-O3 é muito variável dentro dos frutos secos. Enquanto o rácio O6:O3 dos nossos antepassados caçadores-recoletores era 1:1 ou 2:1, o rácio numa dieta americana típica é 20:1!! O problema destas gorduras é o consumo excessivo dos produtos que têm mais omega-6, pois estão em todo o lado - na comida processada, embalada, congelada, nos chocolates, bolos, pastelaria... é difícil fugir-lhes! Estima-se que na dieta americana, 70% dos PUFAs consumidos são omegas-6, que têm um valor nutritivo baixo e causam stress oxidativo... e, claro, o consumo de omega-3 não é suficiente, daí que se vejam tantos suplementos de omega-3 à venda...

Por fim, temos as gorduras hidrogenadas, parcialmente hidrogenadas, trans... são palavrões para gorduras que são produzidas artificialmente. Basicamente, a gordura insaturada (ex, um óleo vegetal) é aquecido a alta temperatura e alta pressão e misturado com solventes metálicos tóxicos para saturar as ligações de carbono com hidrogénio e assim tornar a gordura sólida à temperatura ambiente. As parcialmente hidrogenadas ficam sólidas mas derretem ao cozinhar. Estas gorduras alteradas oxidam facilmente, formando radicais livres, e estão presentes, tal como as PUFAs, em quase todo o lado... excepto nos produtos naturais e não processados, claro!

Este post já vai longo, mas aqui ficam as principais diferenças entre os vários tipos de gordura! Vamos lá deixar de ter medo das gorduras saturadas! Como em tudo, não há nada como experimentar... 

16 comentários:

  1. o post ia longo mas interessante! :)

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  2. o link para o bolo de chocolate não funciona :) estou interessada

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    1. oohh... pois não... logo publico a receita, com a manteiga em vez do óleo!

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  3. Olá, Rita!
    Peço desculpa pela pergunta mas estou um pouco confusa:
    O Azeite é bom para temperar no prato, mas para cozinhar devemos utilizar que gorduras? A banha e manteigas normais?
    Fritei um ovo com manteiga (mimosa)e ficou salgado. Eu não coloco sal nos ovos.
    Receio que a manteiga que tem referido, não seja a manteiga que encontramos habitualmente no supermercado.
    Beijinho.


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    1. A manteiga clarificada (ghee) não tem sal... O azeite refinado tem um ponto de fumo mais elevado que o virgem extra, por isso é preferível... Também uso banha de porco.

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    2. Ontem fiz a omelete com manteiga e de facto ficou salgada; notei logo a diferença porque não ponho sal nos ovos. Mas em comidas em que adicionamos sal, se pusermos menos, o sal da manteiga compensa...

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    3. Obrigada pelo esclarecimento.
      Espero não estar a abusar da sua boa vontade, mas onde posso encontrar a manteiga ghee?
      Quando refere o azeite refinado é para cozinhar ou para colocar no prato?

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  4. Rita, já há muito tempo que também abri os olhos.
    Respeito e adoro a minha médica, mas no que diz respeito à alimentação tem conceitos completamente diferentes daqueles em que acredito.
    Por exemplo, há uns meses o meu filhote começou a ter umas escamações horrorosas no couro cabeludo, eu comecei em casa em testes a tirar/pôr lactose/glúten e alguns alimentos que pudesse estar a fazer reação. Mas não, a médica quis logo receitar remédio. Gostava que se investigassem mais as causas...
    Na minha humilde opinião (porque nada tenho de ligação com a área da saúde, mas preocupo-me bastante com a minha e dos meus para ser uma curiosa e ler muito) o nosso corpo tem o cuidado de nos avisar quando não estamos a fazer algo bem e a maior percentagem tenho quase a certeza que tem a ver com maus hábitos alimentares ou até mesmo a ingestão de alimentos que nem sabemos que nos fazem mal. Mas na medicina que vejo praticar, vai-se pelo remediar em vez de prevenir :(
    Mas confesso também a minha culpa, sei perfeitamente o mal que o leite e o pão me fazem (além de o leite ser considerado um veneno por nos acidificar e retirar minerais como o cálcio, deixa-me a barriga super inchada), ou seja, com os milhentos estudos contraditórios pode o leite nem fazer assim tão mal como alguns defendem, mas só o facto de me sentir mal com ele devia ser motivo mais que suficiente para o deixar e confiar/ouvir o meu corpo :(.
    És tu com o chocolate e eu o leite/pão.
    Ah, Rita e muito obrigada por este post.
    Beijinhos

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  5. Podes-me dar exemplos de situações em que uses a banha de porco em substituto de outra gordura?

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    1. Para fritar ovos, por exemplo. Também junto aos refogados (metade banha, metade azeite), à carne no forno... o bom da banha é que não tem sabor...

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  6. Rita, estes teus posts têm feito imenso sentido na minha realidade. No fds vou procurar nas livrarias livros sobre o tema primal/paleo. Aconselhas algum em particular, para além do energia paleo? Obrigada

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    1. Em português, só mesmo esse... Eu leio praticamente tudo em inglês... em português há muito pouco...

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    2. http://paleoxxi.com/

      Mt bom e português! Vale a pena espreitar!

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    3. Encontrei os dois livros do Mark Sisson na Fnac e estou positivamente surpreendida com o que estou a ler. Até ver é a teoria que mais sentido me faz. Rita, grata por dares a conhecer um caminho alternativo tão surpreendentemente intrínseco. :)

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  7. Gostei muito de ler o post. Já não compro margarina há, pelo menos 5 anos. Comecei agora a mudar o azeite por ghee (que faço em casa) e tento usar manteiga biológica para barrar no pão. Ainda uso muito azeite para cozinhar mas aos poucos vou mudando. No outro dia comprei banha porque queria tentar fazer papas de milho como a minha avó fazia. Acho que vou tentar usar noutras situações.
    Bjs

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Obrigada pelo comentário!

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