21/08/2013

Parentalidade... simples!



Tenho que admitir que nunca li livros sobre parentalidade. Leio um só blog sobre o assunto, o Mum's the Boss, e nada mais. Há uns tempos li uma review do livro Simplicity Parenting: using the extraordinary power of less to raise calmer, happier, and more secure kids, de Kim John Payne (qualquer coisa como Parentalidade simples: usando o poder de menos para criar crianças mais calmas, felizes e seguras), e fiquei com a pulga atrás da orelha. 

Quis ler este livro porque tenho um problema com os meus filhos, grande parte do qual é culpa nossa... Eles passam demasiado tempo em frente a écrans - seja a televisão, o computador, o gameboy, a playstation e outras coisas do estilo. Nos últimos tempos fizemos grandes progressos neste campo, pois passámos de 4 para 1 televisão em casa e passamos agora mais tempo a fazer outras actividades, mas de qualquer modo precisava de mais ideias para lidar com este e outros problemas... Lá comprei o livro (a versão kindle), li-o, reli alguns capítulos e este é sem dúvida um livro de referência para qualquer pai. Achei o livro fantástico!

O capítulo 1, Why Simplify?, responde a isso mesmo - a importância de simplificar o ambiente, as rotinas, a vida das crianças. O autor apresenta exemplos de crianças com quem trabalhou, os seus problemas, as alterações que foram feitas e os resultados positivos que foram obtidos.

Gostei sobretudo do estudo feito em crianças com distúrbio de déficit de atenção (um dos meus filhos tem ADHD, nada de grave, mas tem). Em primeiro lugar, o autor discorda do termo distúrbio de déficit de atenção e hiperactividade; muitas destas crianças conseguem estar muito atentas, não conseguem é priorizar o objecto da sua atenção (e por experiência própria, sei que é mesmo assim). As crianças foram submetidas a um regime de simplificação, que incluiu alterações no seu ambiente físico, na alimentação, no uso de tecnologias (écrans...), e nas suas actividades e horários. Os resultados foram fantásticos; 68% destas crianças passaram de clinicamente disfuncionais para clinicamente funcionais ao fim de 4 meses de simplificação! Comecei a ver luz ao fundo do túnel! O meu filho é medicado há cerca de 1 ano, a medicação tem efeitos muito positivos, mas queria seguir outro tipo de terapias (incluindo o yoga e a meditação) e assim evitar a medicação.

O capítulo 2, Soul Fever, faz uma analogia muito interessante entre a febre física e o que o autor chama de febre da alma. A febre da alma ocorre quando a criança está assoberbada, quando tem que lidar com muitas coisas, muito stress, quando a sua vida é demasiado apressada. O autor descreve os passos para os pais identificarem essa febre da alma e para a acalmarem, simplificando a vida da criança (geralmente um fim de semana simples é o suficiente para fazer a diferença) e dando-lhe tempo sem nada para fazer.

O terceiro capítulo, Environment, lida com o ambiente em que vive a criança. Por exemplo, o autor afirma que demasiados brinquedos dão às crianças demasiadas escolhas - e ter demasiadas escolhas não é bom para uma criança, pois distrai-a do seu crescimento natural. As crianças precisam de tempo para se tornarem elas próprias, através da brincadeira e da interacção social; uma criança assoberbada com coisas - e escolhas e pseudoescolhas - aprende apenas uma coisa: a querer mais! O autor acredita, portanto, que o número de brinquedos de uma criança deve ser reduzido. O excesso de brinquedos pode mesmo privar a criança de desenvolver a sua criatividade, pois a frustação de não ter nada para fazer impulsiona muitas vezes descobertas e criações maravilhosas. Ao diminuir a quantidade de brinquedos e tralha à volta da criança, aumenta a sua capacidade para se envolver mais seriamente na brincadeira, em vez de passar de um brinquedo para o outro sem na verdade brincar com nenhum. Neste capítulo o autor refere ainda os tipos de brinquedos que devem ir fora e dá dicas para destralhar e organizar os brinquedos que ficam. O mantra é, claro, menos é mais.

O capítulo 4, Rhythm, trata das rotinas diárias, ou ritmos, como outros autores também preferem chamar. A vida da maioria das famílias hoje em dia é aleatória e improvisada. Os ritmos são, no entanto, importantes para as crianças. As crianças cedo percebem que há coisas com as quais podem sempre contar, como a hora do banho, a história antes de ir dormir, e esta previsibilidade no dia a dia das crianças dá-lhes segurança. Estabelecer ritmos diários bem definidos é uma das maneiras mais eficazes de simplificar a vida das crianças (e a dos pais também). Ao longo deste capítulo, o autor explica como estabelecer ritmos diários que dêem consistência ao dia da criança e que fortaleçam os laços familiares. 

No quinto capítulo, Schedules, é tratado um fenómeno muito presente hoje em dia nas crianças em todo o mundo ocidental - o overscheduling - horários demasiado preenchidos, muitas actividades extra-curriculares além da escola, que conduzem a muito pouco tempo livre. O autor afirma que as crianças precisam de tempo livre, tempo não estruturado - tempo para não fazer nada. Tal como uma planta sem raízes, actividade sem descanso é insustentável. O autor sugere que as actividades que causam stress à criança (por exemplo, ter a casa cheia de familiares pode assoberbar um filho único) devem ser compensadas com actividades que a acalmam (por exemplo, ir dar um passeio de bicicleta com a criança). O estabelecimento de dias de Sabbath, ou seja, um dia por semana extremamente calmo, com o mínimo de tecnologia e distracções, é também uma boa estratégia para simplificar a vida familiar.

O último capítulo é muito interessante - Filtering the adult world. É sobre separar o mundo dos adultos do mundo das crianças e começa com o pior visitante que a maioria de nós tem em casa - a televisão. Segundo o autor, um passo crítico para simplificar a vida das crianças é simplificar os écrans que temos em casa: tv, computador, consolas de jogos, etc. Simplificar os écrans é parar o fluxo de informação, de pressa e de sobre-estimulação a que as crianças estão sujeitas ao longo do dia. Embora a televisão também tenha benefícios, as suas desvantagens pesam mais, sobretudo para crianças com menos de 7 anos. Por exemplo, assistir a desenhos animados violentos diminui a sensibilidade das crianças para a violência, tornando-a menos chocante e mais aceitável. Ao ler este capítulo fiquei muito feliz por finalmente ter conseguido tirar a tv do quarto dos miúdos: um estudo indica que as crianças que têm televisão no quarto vêem em média mais 90 minutos por dia de tv do que as que não têm. De facto, noto que os meus filhos passam agora muito menos tempo agarrados à televisão do que antes. Este capítulo aborda ainda o problema dos pais-galinha e o autor afirma que o excesso de preocupação destes pais vem da sua exposição excessiva aos meios de comunicação social (que só nos bombardeiam com desgraças). Por exemplo, tal como num avião em caso de despressurização devemos colocar primeiro a nossa própria máscara de oxigénio e só depois ajudar as crianças, os pais também devem primeiro relaxar para depois transporem essa calma para os seus filhos - e a redução da exposição à tv e outros meios é essencial neste processo.

11 comentários:

  1. querida rita, gostei muito deste artigo!
    gosto e preciso disto na minha vida :) obrigada :)

    ResponderEliminar
  2. Parece-me muito interessante e mais do que nunca aborda assuntos pertinentes para quem tem filhos.
    Também me questiono muito sobre o rumo acelerado e assoberbado que a vida das crianças toma logo desde muito cedo e é bom verificar que já tomei algumas medidas que vão muito ao encontro do que escreveste neste post.
    Obrigada pela partilha :)

    ResponderEliminar
  3. Olá,

    A minha viragem para o minimalismo iniciou-se há cerca de 3 ou 4 anos, exactamente por causa dos filhos. Só depois de instituir isso relativamente aos filhos é que passei para mim e para a casa. Eu queria ter 3 filhos, mas trabalhando fora de casa alguma coisa tinha que mudar. Eu queria ter 3, uma casa leve e organizada, tempo para eles. Acho que consegui. Os meus filhos vêm muito pouca televisão, não têm consolas de jogos, não têm pc próprio (há um pc comum que usam quando devidamente justificado, ou exporadicamente meia hora por lazer), têm actividades 1h à sexta à tarde e 2h ao sábado de manhã. De resto, brincam (sempre que possível ao ar livre) e ajudam nas tarefas domésticas. Convido-te a espreitares http://tantasprofissoes.blogspot.pt/ , enquanto mãe acho que vais gostar.

    ResponderEliminar
  4. Ótimo texto. Quando a gente vai lendo, dá aquela sensação: é exatamente assim, porque mesmo não estou fazendo isso? ou até faço, mas não tanto como poderia? E aí vem a chave: primeiro acalmar-se, para depois passar essa calma para os filhos...

    ResponderEliminar
  5. Obrigada pela partilha!
    Vou falar do assunto aos pais que conheço :)

    ResponderEliminar
  6. Bom dia Rita,
    Ainda não li o livro e já sei que vou gostar (já consta na minha "to read list")
    Uma coisa que aprendi desde que sou mãe de gémeos, e que aplico desde que nasceram, ser pratica. Ser pratica implica ser simples, e não é por ter 2 bebés que necessariamente tem de se ter tudo em dobro (nunca fiz) a partilha é de pequeno que se aprende. Quanto às rotinas, essas são essenciais para que as crianças não fiquem agitadas e mais seguras. E' o primeiro conselho que damos às recém e futuras mamãs de gémeos. Atenção que existe as boas e as mas rotinas mas isso é outro assunto.

    Quando falas do 2° capitulo "Soul Fever" pensei logo no meu T que tinhas vezes que me fazia febre do nada! Chegamos à conclusão que era quando algo o perturbava, chegou a pontos que bastava o pai falar mais alto!

    Porque muitos brinquedos leva ao desentendesse, eu, desde de pequenos, que guardo os brinquedos. Houve quem achasse estranho quando eu dizia isso. Porque são 2 e porque têm de ter com se entreter (palavras de terceiros) ofereceram-lhes muitos brinquedos. O que eu fazia, quando recebiam um brinquedo novo escondia/guardava o velho. Quando percebia que eles andavam fartos dos actuais, arrumava-los e saía a caixa dos velhos, que voltavam a ser novos aos olhos deles. Limita a desarrumação e o desinteresse! Boa? Eles já têm 4 anos e faço igual. Entretanto comecei a ensinar-lhes a "destralhar".

    Por aqui os ritmos e as rotinas funcionam desde que vieram da maternidade (aos 6 dias de vida). Reforçamos aos 3 anos com a ida para o infantário. E' aqui que o meu blog (http://marthabobillier.blogspot.fr/) entra em acção. Ideias e truques para mães (de gémeos) conseguirem organizar-se, ao mesmo tempo que trabalham, fazem a lida da casa, cozinham e brincam com as crianças (um ponto fundamental que foi esquecido devido ao stress e à luta diária dos pais).

    Quanto aos horários muito preenchidos, a vantagem de não morar na cidade permite-nos fazer-mos muitas actividades exteriores. Andar a pé (uma actividade esquecida por muitos), Andar de bicicleta, rebolar na relva, correr na neve, construir uma cabana na floresta, fazer piqueniques, plantar uma horta, etc. Que melhor estratégia para simplificar a vida familiar?

    Como dizes o último capítulo é muito interessante. Aqui em casa só existe 1 TV e quando o pai propôs colocar uma TV no quarto deles OPUS-ME de imediato, de tal forma que acho que ele não vai voltar a falar nisso! No PC NÃO mexem e o Tablet é utilizado em modo pomodoro, com controlo parental (existe uma aplicação excelente) e com jogos educativos.
    O que acontece infelizmente nos dias de hoje, é que os pais não "perdem tempo" a preparar actividades para e com as crianças! E' mais fácil as crianças se ocuparem sozinhas (TV, consolas, Tablets, etc) que jogarem um jogo de sociedade ou fazerem uma outra actividade com os pais. Isto vai de encontro ao outro assunto (também complexo) "Compro-te tudo para fazer-me perdoar-me da minha ausência" ou ainda "Uma infância livre de consumismo".
    Padrões impostos por uma sociedade aos quais temos dificuldade fazer face, e ainda somos criticados por recusar seguir os mesmos.

    Obrigada Rita. Vou adorar este livro de certeza. :)

    ResponderEliminar
  7. Desculpa Rita, existe em português? obrigada :) Sofia Costa

    ResponderEliminar
  8. Nem de propósito: comprei o livro há alguns meses e só lhe peguei a semana passada. Fiquei presa na parte em que se fala do excesso de brinquedos e de como isso pode levar uma criança não a achar que tem muito com que brincar, mas a querer sempre mais. Sinto isso na minha filha. Com apenas dois anos e 8 meses, dispersa-se muito (ok, é da idade), às vezes parece que nunca sabe bem com o que brincar, mas já pede mais brinquedos. É como se nada a satisfizesse. Noto ainda que brinca sempre com os mesmos brinquedos, fazendo com que todos os outros sejam dispensáveis. Estava exactamente no processo de aproveitar que ela foi passar as férias da creche com os avós para fazer uma limpeza ao quarto dela. Cada vez que lá entro dá-me uma coisa... E eis que tu publicas este texto e eu sinto que tenho mesmo de continuar a leitura deste livro :) Obrigada!

    ResponderEliminar
  9. olá Rita,
    cá em casa desde cedo que não há internet, consolas ou computadores (com exceção para os trabalhos escolares) para eles durante a semana, mas tenho reparado que é um exagero o tempo e a importância que dão aos jogos no tablet e no computador durante o fim de semana. optámos por crononometrar o tempo para cada um jogar e evitar discussões mas no passado fim de semana dei por mim a reparar que desde que o tablet apareceu cá em casa (no Natal) passam grande parte do fim de semana a jogar. a verdade é que nos esquecemos de impor um limite para se entreterem com tecnologia durante o fim de semana. é uma "luta" permanente com isto, é um exagero a quantidade de coisas que os miúdos têm hoje em dia para se distrair e todos têm e todos fazem e nós pais temos que fazer a melhor gestão disto tudo.
    a mim que sou adulta muito tempo na internet ou a ver televisão deixa-me nervosa e agitada, noto que influencia a minha capacidade de concentração e que altera o meu humor, com as crianças também deve ser igual...

    sem dúvida que gostei de ler isto. muito bom. obrigada :)

    p.s. vou ver se volto aos torneios de ping pong, matraquilhos e xadrez que costumávamos fazer :)

    ResponderEliminar

Obrigada pelo comentário!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...