30/07/2015

Como ser mais feliz? Pratica a compaixão


Rita B. Domingues & Márcio C. Santos

Em primeiro lugar, há que definir compaixão e distingui-la de outras emoções próximas, como a empatia e o contágio emocional. O contágio emocional é uma emoção precursora da empatia e já está presente nos bebés; ocorre quando um indivíduo “apanha” uma emoção de outra pessoa, de forma inconsciente (Singer & Klimecki, 2014). A empatia, por seu lado, é um percursor da compaixão; empatia envolve sentir a mesma emoção que o outro indivíduo, sabendo que essa emoção não é sua. Apesar de ser uma emoção pro-social, necessária para a manutenção de relações interpessoais (Moore et al., 2015), demasiada empatia pode conduzir a comportamentos antissociais – o indivíduo sente necessidade de se afastar das pessoas para não sentir essas emoções, sobretudo quando são negativas. Elevados níveis de empatia estão ainda associados a um maior burnout emocional (Williams, 1989), tanto que níveis mínimos de empatia são recomendados aos profissionais de saúde para uma maior qualidade de vida (Gleichgerrcht & Decety, 2014).

Empatia e compaixão são frequentemente confundidas; no entanto, representam emoções distintas, associadas a sistemas biológicos e redes neuronais diferentes (Klimecki, Ricard, & Singer, 2013). Compaixão envolve um sentimento de piedade, mas não implica, por exemplo, sentir-se triste por a outra pessoa estar triste. Enquanto a empatia pode provocar exaustão emocional, a compaixão desenvolve a resiliência e surge como uma emoção natural de amor e desapego, associada a uma motivação para ajudar e consolar a pessoa em sofrimento (Klimecki et al., 2013).

A compaixão tem, de facto, inúmeras vantagens – incluindo mais felicidade. Por exemplo, estudos realizados com técnicas de neuroimagem mostraram que os centros de prazer do cérebro são ativados quando se dá ou se vê alguém a dar dinheiro para caridade, da mesma forma que quando se recebe dinheiro (Moll et al., 2006). Aliás, dar dinheiro a outros pode até aumentar o sentimento de bem-estar do indivíduo para níveis superiores em relação ao bem-estar que o indivíduo sente quando gasta dinheiro consigo próprio (Dunn, Aknin, & Norton, 2008). Este fenómeno não ocorre apenas em adultos; observou-se que crianças com 2 anos ficam mais felizes quando dão guloseimas a outras crianças do que quando recebem guloseimas (Aknin, Hamlin, & Dunn, 2012). Uma pessoa compassiva poderá também ser considerada mais atrativa pelo sexo oposto; a gentileza, característica associada à compaixão, é um dos traços mais valorizados em potenciais parceiros para relações românticas (Li, Valentine, & Patel, 2011). A nível da saúde física e mental, a compaixão e o estabelecimento de relações próximas com os outros estão associadas a um maior bem-estar do indivíduo e a uma recuperação mais rápida quando doente, podendo até aumentar a expectativa de vida (Brown, Nesse, Vinokur, & Smith, 2003).

A compaixão pode beneficiar não só a pessoa que a pratica, aumentando os seus níveis de felicidade e protegendo-a do burnout emocional, como beneficia também os outros, ao incrementar comportamentos de ajuda (Batson, 2009). Estes comportamentos de ajuda são contagiosos – atos de generosidade e gentileza de um indivíduo propagam-se aos observadores, originando assim uma cascata de felicidade nas redes sociais humanas (Fowler & Christakis, 2010). A compaixão é, de facto, uma emoção pro-social que, no ser humano, se desenvolveu antes da inteligência. Dados paleontológicos mostram, por exemplo, que o Homo heidelbergensis cuidava de crianças deficientes há 450 mil anos, enquanto o Homo ergaster cuidava de familiares doentes há 1,5 milhões de anos – tendo os seus cérebros pouco mais de metade do tamanho do Homo sapiens (Spikins, 2015). A evolução e o sucesso da espécie humana só foram possíveis devido ao desenvolvimento de emoções como empatia e compaixão, tendo a inteligência surgido mais tarde (Spikins, 2015).

A compaixão é, de facto, uma emoção muito enraizada no ser humano. Inúmeros estudos mostram que a compaixão surge fácil e naturalmente tanto em crianças (Warneken & Tomasello, 2006) como em adultos (Rand, Greene, & Nowak, 2012). No entanto, este primeiro impulso de ajudar os outros perde-se nos adultos por medo de os outros acharem que as suas ações não são altruístas, mas sim motivadas por interesse (Miller, 1999). Seja como for, inúmeros estudos mostram que, de facto, a compaixão é uma emoção que traz consigo bastantes benefícios a nível da saúde física e mental e das relações interpessoais – contribuindo, portanto, para um aumento da felicidade.


Referências

Aknin, L. B., Hamlin, J. K., & Dunn, E. W. (2012). Giving leads to happiness in young children. PloS One, 7(6), e39211. doi:10.1371/journal.pone.0039211
Batson, C. D. (2009). These things called empathy: eight related but distinct phenomena. In J. Decety & W. Ickes (Eds.), The Social Neuroscience of Empathy (pp. 3–15). Cambridge, MA: MIT Press. Retrieved from http://mitpress.universitypressscholarship.com/view/10.7551/mitpress/9780262012973.001.0001/upso-9780262012973-chapter-2
Brown, S. L., Nesse, R. M., Vinokur, A. D., & Smith, D. M. (2003). Providing social support may be more beneficial than receiving it: results from a prospective study of mortality. Psychological Science, 14(4), 320–327. Retrieved from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12807404
Dunn, E. W., Aknin, L. B., & Norton, M. I. (2008). Spending money on others promotes happiness. Science, 319(5870), 1687–1688. doi:10.1126/science.1150952
Fowler, J. H., & Christakis, N. A. (2010). Cooperative behavior cascades in human social networks. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 107(12), 5334–5338. doi:10.1073/pnas.0913149107
Gleichgerrcht, E., & Decety, J. (2014). The relationship between different facets of empathy, pain perception and compassion fatigue among physicians. Frontiers in Behavioral Neuroscience, 8, 243. doi:10.3389/fnbeh.2014.00243
Klimecki, O., Ricard, M., & Singer, T. (2013). Empathy versus compassion. In T. Singer & M. Bolz (Eds.), Compassion: Bridging Practice and Science (pp. 272–287). Munich: Max Planck Society.
Li, N. P., Valentine, K. A., & Patel, L. (2011). Mate preferences in the US and Singapore: A cross-cultural test of the mate preference priority model. Personality and Individual Differences, 50(2), 291–294. doi:10.1016/j.paid.2010.10.005
Miller, D. T. (1999). The norm of self-interest. American Psychologist, 54, 1053–1060.
Moll, J., Krueger, F., Zahn, R., Pardini, M., de Oliveira-Souza, R., & Grafman, J. (2006). Human fronto-mesolimbic networks guide decisions about charitable donation. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 103(42), 15623–15628. doi:10.1073/pnas.0604475103
Moore, R. C., Martin, A. S., Kaup, A. R., Thompson, W. K., Peters, M. E., Jeste, D. V, … Eyler, L. T. (2015). From suffering to caring: a model of differences among older adults in levels of compassion. International Journal of Geriatric Psychiatry, 30(2), 185–191. doi:10.1002/gps.4123
Rand, D. G., Greene, J. D., & Nowak, M. A. (2012). Spontaneous giving and calculated greed. Nature, 489(7416), 427–430. doi:10.1038/nature11467
Singer, T., & Klimecki, O. M. (2014). Empathy and compassion. Current Biology, 24(18), R875–R878. doi:10.1016/j.cub.2014.06.054
Spikins, P. (2015). How Compassion Made Us Human: Love and Tenderness in the Prehistoric World. Pen & Sword Books Ltd. Retrieved from http://www.amazon.com/How-Compassion-Made-Human-Prehistoric/dp/1781593108
Warneken, F., & Tomasello, M. (2006). Altruistic helping in human infants and young chimpanzees. Science, 311(5765), 1301–1303. doi:10.1126/science.1121448
Williams, C. A. (1989). Empathy and burnout in male and female helping professionals. Research in Nursing & Health, 12(3), 169–178. doi:10.1002/nur.4770120307


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3 comentários:

  1. Não sabia explicar a diferença entre empatia e compaixão embora compreendesse que eram sentimentos diferentes. Foi muito importante ler sobre isso. Reconheço-me. Há algum tempo consumia-me quando havia conflitos à minha volta entre pessoas que amo e embora ainda não totalmente controla nesse nível (excesso de empatia). Neste momento a minha postura aumentou na compaixão, protegendo-me de sofrer excessivamente pelos outros em conflito, mas estando disponível e mais equilibrada para lhes dar auxílio depois de eventuais conflitos. Obrigada pela partilha, é importante compreender os mecanismos que nos ajudam pessoalmente e enquanto seres sociais.

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  2. Rita querida, foi total sintonia receber por e-mail este post! Estou lendo este ebook grátis do Dalai Lama:

    http://www.amazon.com.br/Apelo-Dalai-Lama-Mundo-Importante-ebook/dp/B010DZBN70/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1438266986&sr=8-1&keywords=dalai+lama

    Tem apenas 37 páginas e começa justamente a abordar o tema compaixão. Incrível.

    Obrigada por compartilhar conosco esta pesquisa tão rica, você e seu colega fizeram um grande bem em divulgar.

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