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Rita B. Domingues & Márcio C. Santos
Em primeiro lugar, há que definir compaixão e
distingui-la de outras emoções próximas, como a empatia e o contágio emocional.
O contágio emocional é uma emoção precursora da empatia e já está presente nos
bebés; ocorre quando um indivíduo “apanha” uma emoção de outra pessoa, de forma
inconsciente (Singer & Klimecki, 2014). A empatia, por
seu lado, é um percursor da compaixão; empatia envolve sentir a mesma emoção
que o outro indivíduo, sabendo que essa emoção não é sua. Apesar de ser uma
emoção pro-social, necessária para a manutenção de relações interpessoais (Moore et al., 2015), demasiada
empatia pode conduzir a comportamentos antissociais – o indivíduo sente
necessidade de se afastar das pessoas para não sentir essas emoções, sobretudo
quando são negativas. Elevados níveis de empatia estão ainda associados a um
maior burnout emocional (Williams, 1989), tanto que níveis
mínimos de empatia são recomendados aos profissionais de saúde para uma maior
qualidade de vida (Gleichgerrcht & Decety, 2014).
Empatia
e compaixão são frequentemente confundidas; no entanto, representam emoções
distintas, associadas a sistemas biológicos e redes neuronais diferentes (Klimecki, Ricard, & Singer, 2013). Compaixão
envolve um sentimento de piedade, mas não implica, por exemplo, sentir-se
triste por a outra pessoa estar triste. Enquanto a empatia pode provocar
exaustão emocional, a compaixão desenvolve a resiliência e surge como uma emoção
natural de amor e desapego, associada a uma motivação para ajudar e consolar a
pessoa em sofrimento (Klimecki et al., 2013).
A
compaixão tem, de facto, inúmeras vantagens – incluindo mais felicidade. Por
exemplo, estudos realizados com técnicas de neuroimagem mostraram que os
centros de prazer do cérebro são ativados quando se dá ou se vê alguém a dar
dinheiro para caridade, da mesma forma que quando se recebe dinheiro (Moll et al., 2006). Aliás, dar
dinheiro a outros pode até aumentar o sentimento de bem-estar do indivíduo para
níveis superiores em relação ao bem-estar que o indivíduo sente quando gasta
dinheiro consigo próprio (Dunn, Aknin, & Norton, 2008). Este fenómeno
não ocorre apenas em adultos; observou-se que crianças com 2 anos ficam mais
felizes quando dão guloseimas a outras crianças do que quando recebem
guloseimas (Aknin, Hamlin, & Dunn, 2012). Uma pessoa compassiva poderá também ser considerada
mais atrativa pelo sexo oposto; a gentileza, característica associada à
compaixão, é um dos traços mais valorizados em potenciais parceiros para
relações românticas (Li, Valentine, & Patel, 2011). A nível da saúde
física e mental, a compaixão e o estabelecimento de relações próximas com os
outros estão associadas a um maior bem-estar do indivíduo e a uma recuperação
mais rápida quando doente, podendo até aumentar a expectativa de vida (Brown, Nesse, Vinokur, & Smith, 2003).
A
compaixão pode beneficiar não só a pessoa que a pratica, aumentando os seus
níveis de felicidade e protegendo-a do burnout
emocional, como beneficia também os outros, ao incrementar comportamentos de
ajuda (Batson, 2009). Estes comportamentos
de ajuda são contagiosos – atos de generosidade e gentileza de um indivíduo
propagam-se aos observadores, originando assim uma cascata de felicidade nas
redes sociais humanas (Fowler & Christakis, 2010). A compaixão é,
de facto, uma emoção pro-social que, no ser humano, se desenvolveu antes da
inteligência. Dados paleontológicos mostram, por exemplo, que o Homo heidelbergensis
cuidava de crianças deficientes há 450 mil anos, enquanto o Homo ergaster
cuidava de familiares doentes há 1,5 milhões de anos – tendo os seus cérebros
pouco mais de metade do tamanho do Homo
sapiens (Spikins, 2015). A evolução e o
sucesso da espécie humana só foram possíveis devido ao desenvolvimento de
emoções como empatia e compaixão, tendo a inteligência surgido mais tarde (Spikins, 2015).
A
compaixão é, de facto, uma emoção muito enraizada no ser humano. Inúmeros estudos
mostram que a compaixão surge fácil e naturalmente tanto em crianças (Warneken & Tomasello, 2006) como em adultos (Rand, Greene, & Nowak, 2012). No entanto, este
primeiro impulso de ajudar os outros perde-se nos adultos por medo de os outros
acharem que as suas ações não são altruístas, mas sim motivadas por interesse (Miller, 1999). Seja como for,
inúmeros estudos mostram que, de facto, a compaixão é uma emoção que traz
consigo bastantes benefícios a nível da saúde física e mental e das relações
interpessoais – contribuindo, portanto, para um aumento da felicidade.
Próximo post: a importância da gratidão.
Referências
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leads to happiness in young children. PloS One, 7(6), e39211.
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Brown,
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Fowler,
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Gleichgerrcht,
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Não sabia explicar a diferença entre empatia e compaixão embora compreendesse que eram sentimentos diferentes. Foi muito importante ler sobre isso. Reconheço-me. Há algum tempo consumia-me quando havia conflitos à minha volta entre pessoas que amo e embora ainda não totalmente controla nesse nível (excesso de empatia). Neste momento a minha postura aumentou na compaixão, protegendo-me de sofrer excessivamente pelos outros em conflito, mas estando disponível e mais equilibrada para lhes dar auxílio depois de eventuais conflitos. Obrigada pela partilha, é importante compreender os mecanismos que nos ajudam pessoalmente e enquanto seres sociais.
ResponderEliminarObrigado!
ResponderEliminarRita querida, foi total sintonia receber por e-mail este post! Estou lendo este ebook grátis do Dalai Lama:
ResponderEliminarhttp://www.amazon.com.br/Apelo-Dalai-Lama-Mundo-Importante-ebook/dp/B010DZBN70/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1438266986&sr=8-1&keywords=dalai+lama
Tem apenas 37 páginas e começa justamente a abordar o tema compaixão. Incrível.
Obrigada por compartilhar conosco esta pesquisa tão rica, você e seu colega fizeram um grande bem em divulgar.